
O projeto da Estação de Produção de Água de Reúso (EPAR), que prevê o tratamento de metade do esgoto produzido em Vitória em território da Serra, está gerando bastante polêmica no município serrano. O local previsto para a construção é o bairro São Geraldo, com orçamento estimado em R$ 250 milhões. A estrutura permitirá a desativação da Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) de Camburi, em Vitória. 706e3z
A EPAR será operada pela concessionária da Cesan, a Águas de Reúso de Vitória S.A., pertencente à multinacional GS Inima, e tem como objetivo direcionar 300 litros por segundo do esgoto da capital para transformação em água de reúso, que será comercializada para empresas como a ArcelorMittal e a Vale. Com previsão de início das obras em agosto, o secretário de Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente da Serra, Cláudio Denicoli, criticou a condução do processo e afirmou que a prefeitura não irá liberar licenças sem que o projeto seja “minuciosamente” analisado pelo município, a fim de avaliar os impactos.
Questionado se algum projeto já foi apresentado à istração municipal, Cláudio foi enfático: “Nenhum, zero. Não foi apresentado nenhum projeto para a Prefeitura da Serra — nenhum conceito, nenhum projeto executivo. Trata-se de etapas obrigatórias para que possamos conhecer detalhes, como, por exemplo, onde serão feitas intervenções nas vias, cronograma de obras, descarte de efluentes, dimensionamento dos possíveis impactos e autorização ou não do projeto”, declarou o secretário.
Cabe à Prefeitura da Serra a emissão de duas licenças: a licença ambiental, que avalia os impactos ao meio ambiente, e a licença de obras, que considera os impactos urbanísticos. “E nesse sentido, não existe nada. Estamos lendo na imprensa que a previsão é iniciar as obras em agosto, mas não consigo imaginar como isso seja possível, considerando que, na esfera do município, não há nenhuma informação que permita que isso ocorra”, explicou Denicoli.
O secretário informou ainda que a prefeitura não foi procurada pelas partes envolvidas no projeto, o que motivou o envio de um ofício solicitando informações. “Estamos sendo procurados agora, somente após o envio do ofício às partes, comunicando que não iremos conceder licenciamento sem os devidos trâmites legais, que incluem, inclusive, audiência pública para participação popular — especialmente dos diretamente impactados — e sem o devido atendimento aos questionamentos técnicos. Até lá, não emitiremos nenhuma licença”, reforçou.
Até o momento, a Prefeitura da Serra afirma não saber qual o trajeto proposto para a nova tubulação que bombeará o esgoto de Camburi até São Geraldo. Também não houve consulta pública ou audiência técnica realizada na Serra sobre o empreendimento. Cláudio destacou que é pouco provável que a cidade receba compensação financeira ou contrapartida ambiental pela instalação da EPAR em seu território, já que, segundo ele, não há previsão legal para isso.
O município também desconhece os impactos sobre o trânsito, eventuais obras viárias ou desapropriações necessárias para a instalação da tubulação e da estrutura de bombeamento. No entanto, Denicoli foi direto: “Com certeza haverá impactos”.
Ele encerrou a conversa com a coluna reforçando a legitimidade da Serra em exigir transparência e exercer sua autonomia istrativa: “Uma obra dessa envergadura, desse tamanho e com esse impacto precisa ser minuciosamente apresentada e debatida com a Prefeitura da Serra, que é o órgão licenciador. Avalio que houve falhas no processo de comunicação, especialmente com as comunidades. É preciso apresentar uma explicação robusta sobre os impactos que serão gerados. Não cabe mais, nos dias de hoje, nenhuma intervenção na Serra sem alinhamento com os interesses públicos do município, respeitando nossa autonomia decisória e independência istrativa”, finalizou.
O assunto ganhou dimensão política na semana ada, quando os vereadores Renato Ribeiro e Rafael Estrela do Mar trouxeram o tema à tona e apresentaram um projeto de lei que, no mérito, visa garantir que medidas dessa natureza sejam precedidas por um debate mais aprofundado na Serra. Eles acusaram as partes envolvidas no projeto de não dialogarem com as comunidades, com os vereadores e com a Prefeitura da Serra, apontando falta de transparência no processo.
Na prática, o posicionamento de Denicoli reforça as acusações feitas pelos vereadores de que o projeto está sendo implementado na Serra sem os devidos cuidados técnicos e institucionais com as forças locais. Em relação ao objetivo do projeto, a Cesan afirma que se trata de uma iniciativa alinhada com o uso racional da água e que é necessária para garantir a segurança hídrica da Serra. Isso porque a captação de água do rio Santa Maria — que abastece o município — pelas grandes indústrias é limitada e pode impactar o abastecimento humano e/ou as operações industriais em períodos de estiagem, uma situação que tem ocorrido de forma crônica e tende a se agravar.
Os vereadores estão articulando a realização de uma audiência pública para convocar representantes da Cesan, da empresa Águas de Reúso de Vitória S.A. e da ArcelorMittal, com o objetivo de obter informações detalhadas sobre o projeto. O protocolo da audiência prevê o título “Serra não é pinicão de Vitória”, reforçando a ideia defendida por eles de que, embora a reutilização de água seja uma medida louvável, o projeto — da forma como está desenhado — representaria uma forma institucionalizada de transferir um ivo ambiental de Vitória para a Serra, movida principalmente por interesses empresariais.